Um concerto de uma banda única como os Gotan Project num local marcante como o Coliseu do Porto, é sempre um evento rodeado de imensa expectativa, e isso sentia-se nos rostos sorridentes de quem ali se deslocou num dia perfeito para tal, com a chuva a tornar-se parte do cenário como se de um preludio se tratasse.
De louvar também a coragem e empenho da promotora Porto Eventos em nos trazer constantemente bandas e artistas de renome e qualidade, mesmo quando a crise e a tendência geral contrariam tais actos. Quando tudo corre bem não se apontam dedos, mas a Imagem Do Som não pode deixar de o fazer, e congratular quem está longe da ribalta mas cujos esforços não merecem ficar no anonimato.
O Coliseu completamente cheio, como há muito não se via. Não se pode conter um sorriso face a uma visão daquelas. Sentir que a música une almas e corações com uma força quase palpável é fantástico.
O palco, com um cenário simplista e sóbrio, de tons negros com detalhes a vermelho, era o alvo de todas as atenções, e o fogoso tango estava já ali presente, como uma presença espectral e latente, apenas esperando ser libertado.
Pouco passava das 22h15, quando o inicio do espectáculo acontece numa versão do classico “Cuesta Abajo” do enorme Carlos Gardel, despida de electrónica e apenas com a formação instrumental ou seja: bandoneón, guitarra, violino e piano e da voz incrivelmente hipnotizante, para alem de misteriosamente quente e sensual de Cristina Vilallonga.
Logo depois, Philippe Cohen-Solal, Cristoph Müller e Eduardo Makaroff mentores e DJ’s da banda, entram em cena de forma impressionante, por entre um cortinado de correntes, e onde a interpretação de "Epoca" do fantástico primeiro álbum, “Revancha Del Tango”, o tal que deu inicio a toda uma nova forma de sentir o tango, daria o mote a uma noite cheia de pontos altos.
Som nada menos que perfeito, e era bem obvio que se estava perante uma formação que dava atenção a cada pormenor, uma máquina que executa com mestria e exactidão tema após tema, um reportório cuja roupagem teve direito a ligeiras alterações para maior impacto ao vivo, (em especial a nivel ritmico) mas perdendo alguma solidez enquanto composições e identidade em relação aos arranjos originais, mas penso ter passado completamente ao lado da grande audiencia, dada a eximia interpretação dos temas em questão.
O recurso ao violino surpreendeu, impondo-se mesmo em alguns temas, dando-lhes um tom quase orquestral. Muito bem conseguido!
O 1º momento forte da noite teria o nome de “Rayuella”, obra chave do escritor Júlio Cortázar de origem argentina que os Gotan Project homenagearam no seu novo álbum “Tango 3.0”. Nesta música o uso em crescendo de um baixo “real” e não sintetizado, deu-lhe uma força arrepiante.
No cortinado de correntes, os vídeos projectados davam força ás composições, guiando a nossa imaginação de mão dadas com a visão da banda sobre o seus próprios temas. Ao contrário do que acontece na maioria dos casos, os vídeos encaixavam que foram cirúrgica, e não apenas como adorno ou algo parecido.
Alguns concertos são mesmo assim, uma conversa entre duas entidades, público e banda, onde a empatia e desafio constante apimentam cada momento.
Pode-se mesmo utilizar a palavra duelo, que tal como no tango, não tem como objectivo a derrota de uma das partes, mas sim o gozo do acto em si.
E os temas corriam, para deleito da audiência, tendo os mais conhecidos presença no alinhamento, alimentando a festa para quem escolheu ali estar, dois anos após a então anunciada tournée de despedida.
Foi sem margem para duvidas, o concerto perfeito para os fãs.
Uma década após o álbum “La Revancha Del Tango” surpreender o mundo com a fusão vanguardista entre os elementos ditos tradicionais do tango e a tal componente electrónica que tanto chocou como apaixonou, esses mesmo fãs estão hoje divididos quanto á qualidade do ultimo álbum.
Hoje tudo isso foi ultrapassado com um concerto da mais altíssima qualidade desta banda que esperemos não pare de inovar e de auto-renovar.
“Hay que saber mober los piez” pois claro!
(reportagem fotografica completa em breve)
Texto e Fotografia: Ricardo Costa
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