João Pedro Pais em Aveiro

Aveiro, 24 de Abril de 2010
Feira de Março


João Pedro Pais, o Grande

Crónicas da conquista da Feira de Março em Abril



Em véspera de mais um 25 de Abril, João Pedro Pais subiu ao palco no único local do país onde Março se prolonga por Abril: Aveiro.


O recinto escolhido para o espectáculo na Feira de Março acolhia um ambiente expectante antes do início do concerto: a música do PA criava a envolvente perfeita para um palco de dimensões muito razoáveis e muito bem apetrechado no que a equipamento de luz e som concerne.

Quando a música cessou e as luzes se apagaram, todos os olhos buscaram os músicos em cima do palco. E, um após outro, foram entrando e foram-se agarrando aos seus intrumentos. No centro, um João Pedro Pais perfeitamente discreto, alinhava no crescendo musical que culminou com a primeira explosão da noite, na qual um palco de músicos se transformou num verdadeiro palco de feras. E das boas. Som no limiar na distorção, luz potente e em grande sincronismo: João Pedro Pais e a sua banda sabem bem o que é preciso para convencer um público desde o momento um. Acertaram em cheio - forçando o pleonasmo: este início de espectáculo é espectacular!

As canções foram-se sucedendo umas às outras, mais depressa do que o que se desejaria. E mesmo aos ouvidos daqueles que só por acaso passaram e pararam para assistir ao concerto, certamente ficou a ideia de que não foram tocadas músicas completamente desconhecidas. O portfólio musical de João Pedro Pais tem essa particularidade invulgar: as suas músicas, sem serem exageradamente comerciais, ficam no ouvido e gosta-se delas. E, bem vistas as coisas, são já muitas as suas canções que se tornaram parte integrante dos hits do pop-rock da música portuguesa. Cada música sua é um single potencial, e isto tem origem nas suas qualidades enquanto compositor e intérprete.


O público aderiu desde muito cedo ao espectáculo e cantou muito. João Pedro Pais aprecia notoriamente, a cada aplauso e a cada grito estridente, o seu sucesso e o reconhecimento que a sua música colhe. Nota-se, no modo como agradece, como se dirige e como olha para as pessoas, que não deixa o estrelato subir-lhe à cabeça e que mantém a postura humilde que se lhe reconhece. Vive intensamente cada segundo em que está a voar por cima do palco, para no segundo seguinte voltar a viver tão intensamente como no anterior, o segundo no qual sobre ele pousa. É também por isso que tantos, e tão bons, gostam tanto dele.


Foi uma música muito bem tocada, a que naquela noite da Feira de Março se ouviu. À cabeça, o próprio João Pedro Pais, que se revelou extremamente seguro tanto vocalmente como enquanto guitarrista. Esteve sempre bem, tanto nos registos mais fortes como nos mais intimistas, nunca vacilou e nunca hesitou em aproximar-se dos seus limites. A banda, essa, é de luxo: Zé Moreira desancou brilhantemente a bateria do início ao fim, Mário Peniche obrigou, com o seu baixo, os woofers das muitas colunas a dose avantajada de flexões, Rui Almeida brincou com todo o tipo de teclas brancas e pretas e de outras cores dos muitos teclados que tinha à sua volta e Luís Arantes, nas guitarras, mostrou como dar uso a um aplificador cor-de-laranja e a um conjunto muito bem construído de pedais de efeitos... Uau!


“Vocês são os MAIORES!” atirou ao público com um vozeirão que quase não precisaria de microfone para se fazer ouvir. Mas é mentira... O maior, nessa noite, foi completamente ele.








A entrevista exclusiva à IMAGEM DO SOM



No fim do concerto (de arromba) na Feira de Março, João Pedro Pais recebeu a IMAGEM DO SOM no seu camarim para uma troca de impressões.


João Pedro Pais sabe bem onde tem os pés, e fala como quem sabe para onde quer ir. Mas não foi pelo presente que a conversa começou, nem pelo futuro; foi pelo passado.




IMAGEM DO SOM (IdS) – Mudou muita coisa desde o “Chuva de estrelas”...


JOÃO PEDRO PAIS (JPP) – Sim... Canções novas... E aqui é a sério. O “Chuva de Estrelas” era uma brincadeira, era um karaoke televisionado... ninguém nos prometeu nada. Ninguém disse que eu ía ser aquilo que sou. Nem eu perguntei a alguém se ía conseguir... Eu é que delineei o meu trajecto musical. Sinto-me um previligiado por ter cantado com o José Mário Branco (ainda no outro dia fiz um dueto com ele, já é a 3ª vez), o Fausto, Jorge Palma (que participou no meu álbum e participou comigo nos coliseus)... Sou um previlegiado. É isso que me considero. Mas não foi o “Chuva de Estrelas” que fez isso.


IdS – Não foi com certeza... Sabes que nós tivemos o prazer de ter estado à conversa com os KLEPHT, há relativamente pouco tempo, e eles disseram que de facto este “princípio chuva de estrelas” às vezes pode funcionar um bocadinho ao contrário do que se espera inicialmente, porque por si só não prepara ninguém, e eles deram-te como exemplo de um artista que se tornou conhecido no “Chuva de Estrelas”, mas que só continuou hoje a ser quem é, porque tem talento e porque tem força. Como é que tu te preparas, onde é que tu buscas a inspiração e como é que tu consegues estar em crescendo? É que o João Pedro Pais não tem uma carreira de altos e baixos, o João Pedro Pais tem uma carreira com um sucesso em forma de recta de declive ascendente... Como é que consegues isto?


JPP – Como o meu amigo Zé Pedro, dos Xutos, e o Jorge Palma costumam dizer, nós não nos levamos muito a sério. Eu acho que é isso. Nós andamos aqui para nos divertirmos. Nós lemos os livros que os outros escrevem, ouvimos as músicas que os outros compõem e escutamos as palavras que os outros falam. Tive a sorte de conhecer estas pessoas, de quem sou amigo, de convívio, vou para casa do Zé Pedro, o Zé Pedro vai para minha casa... falamos sobre a vida... de uma maneira verdadeira, e sem pregar rasteiras a ninguém... concentramos-nos naquilo que queremos, de onde viemos, onde estamos e para onde queremos ir... é isso.


IdS – Esses nomes que referiste - o José Mário Branco, o Fausto, o próprio Zé Pedro, ou mesmo o Luís Represas, com quem te temos visto muito - já eram as tuas referências, ou foram-se tornando as tuas referências?


JPP – Os Trovante!... É giro eu ser louco pelos Trovante... comecei a ouvir Trovante nos anos 80, no princípio dos anos 80... Havia na altura um álbum que se chamava Baile do Bosque... Ia para casa de um colega meu quando saímos da escola – ele fazia parte da luta comigo, na Selecção – ouvir música portuguesa. E também havia ouvia Doutores e Engenheiros, os Peacemakers e, claro, ouvia os Xutos. Os Xutos foram a banda pela qual paguei 750 escudos - ainda me lembro! - para ir ver. Por falar nisso, tenho que dizer isto ao Zé Pedro a ver se me devolve o dinheiro.... (risos) Sou amigo dele... Foi em ‘88 no Pavilhão do Restelo. “Os Contentores” tinha acabado de estourar como single... Foi isso que me fez crescer como pessoa. Há uma coisa que é muito importante saber: antes de estar num palco temos que saber estar no chão. No chão da vida. Respeitar os outros. Não subestimar ninguém. Nós não somos mais que os outros. Nós só cantamos, e há quem goste e quem não goste. Foi sempre assim. E agora aos Trovante vou encontrar no Rock in Rio, no mesmo palco. É muito giro, essa dualidade de emoção e de idades, de gerações. Eu ouvia muito os Trovante...


IdS – Tu tens uma postura muito anti-vedeta, pareces ter os pés muito assentes na terra e nada afectado pelo teu sucesso...


JPP – Eu antes de cantar, triunfei no desporto; com 17 anos já era o oitavo melhor do mundo de séniores... Levei muita pancada e perdi muito peso a representar o meu país. Vivia mal na minha infância... era muito feliz mas vivia mal, a situação financeira familiar era má... Por isso já nada me surpreende. Eu hoje vivo bem, mas isso até é o que menos importa – eu estou noutra. Tenho quase 40 anos de idade e o que me faz sorrir é o meu filho. É para ele que eu vivo e para as pessoas que me rodeiam. Mas respeito as pessoas. Sou como sou e sei que tenho tido muito juízo.


IdS – Quem te vai vendo de fora e quem te vai conhecendo, tira de ti que tu és realmente uma pessoa franca e uma pessoa boa. Os teus amigos da música, como os que falaste anteriormente, são também eles todos gente boa da música e bons carácteres. Mas também há coisas más na música. Isso já passou por ti?...


JPP – Passa-me ao lado e não me afecta... Por vezes posso ir abaixo mas passa depressa... Sabes que o que magoa não são os colegas – os colegas sempre têm tido respeito por mim. Pode haver um ou outro que não goste, mas eu tenho tido a sorte de aqueles que são verdadeiramente bons gostarem todos de mim... As pessoas conhecem-se pelo olhar e quando uma pessoa não é verdadeira contigo tu sentes. Eu sou muito fechado, raramente falo soubre a minha vida pessoal e não dou entrevistas a revistas cor-de-rosa e depois ficam muito furiosos comigo, e quando os meus discos saem essas revistas não querem fazer promoção, porque eu não mostrei o filho... Mas a família não está à venda... Se me disserem que a minha carreira acaba hoje se não der mais nenhuma entrevista a uma revista cor-de-rosa, então eu digo: que acabe já! Um homem que é homem nunca vende o carácter, a dignidade nem a honra. Nunca.


IdS – Falando de música e do panorama musical... estamos à espera de um disco teu.


JPP – Ao vivo?


IdS – Isso é que era! Estás a dar-nos essa notícia?


JPP – Sim! Vai sair um dvd e cd ao vivo nos Coliseus, com convidados como o Jorge Palma, o Zé Pedro e o Massimo Cavalli... Já estive a visionar o DVD e a ouvir o CD. O João Martins, que trabalha comigo e com os DaWeasel, é quem está a fazer a mistura e a masterização. Está engraçado...


IdS – E originais?


JPP – Estou a compor agora...


IdS – Para terminar: qual a tua visão, o teu olhar sobre a música portuguesa e em Portugal, a nossa música rock / pop-rock?


JPP – Há coisas muito interessantes... Há bocado falaste nos Klepht; aí está um banda com coisas realmente interessantes, muito engraçada musicalmente, com carisma, simpática... A minha editora, a Valentim de Carvalho, tem angariado novas bandas de garagem interessantes como os Orelha Negra, os Deolinda (que agora foram para a EMI)... Também podemos fazer a pergunta de outra forma: há mercado para a música em Portugal? Aí é que já não está garantido... O país é muito pequeno, as pessoas compram pouca música e eu acho que Portugal não é, tradicionalmente, um “país musical”. A música existe há pouco tempo em Portugal, isto é, a música portuguesa começou a ser projectada nos anos 80, mas não tem a tradição da Inglaterra ou mesmo dos Estados Unidos, que vem já dos anos 40, com as super-bandas de jazz e com o swing... Nós não. Nós já viemos atrasados e a língua limita-nos. Por outro lado também não se tem revelado fácil cantores portugueses cantarem em inglês e singrarem lá fora... Eu por acaso tenho particular esperança numa cantora portuguesa que acho que vai singrar no estrangeiro (sem ser o fado, porque o fado é world music e é consumido muito lá fora – como é o caso da Mariza, claro, e da Ana Moura, Ana Moura é excelente!, já fez parceria com os Rolling Stones e o Prince anda atrás dela para gravar umas coisas, o Camané também é muito interessante...) que é a Rita Redshoes. A Rita tem um visual internacional e não imita ninguém, a voz é bonita e ela também. Já lhe disse isto, de resto. Ela é da minha editora e não me faz confusão se ela me faz frente na venda dos discos, não estou nessa... Simplesmente tenho que lhe dar valor porque ela o tem. Eu tenho o primeiro disco dela, o “Golden Era”, e gosto muito. De resto, é difícil dizer o que é que na música portuguesa são coisas boas. Se calhar nem as minhas são coisas boas. Ou entra, ou não entra, e as pessoas identificam-se ou não... Há coisas que nós achamos que são boas e que as rádios não acham e não passam, e vice-versa. O que para mim parece um single nato eles podem dizer que não gostam – se bem que eu aqui tenha tido sempre muita sorte, pois até hoje fui eu que escolhi sempre os meus singles todos e tem dado certo...






O olhar franco e sincero de João Pedro Pais permitiu a estes pequenos minutos transformarem-se numa conversa entre pessoas que vivem, se bem que de lados diferentes do palco, (d)a mesma paixão pela música.


A ele, os nossos agradecimentos, e um abraço.

Por cá continuaremos ambos – permita o destino que por muitos anos – a fazer à música o que ela nos faz a nós: bem!


Agradecimentos: Oficina da Ilusão; João Pedro Pais







Texto: Sara Salgado e Rui Vaz
Fotos e entrevista: I.A.C. e Rui Vaz




5 comentários:

  1. Rita Limões2.5.10

    Grande reportagem, em termos de comprimento e cumprimento... Aparentemente grande espectáculo, muito movimento em palco e excelentes momentos fotográficos, de onde destaco as 2 fotos onde João Pedro Pais de forma entusiática descola do palco. Não menos espectacular a forma como o reporter (fotográfico) congela o(s) momento(s)... Música, texto e fotografia na convergência para o melhor que por aqui se vai fazendo! Fantastic!

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  2. Parabens...das melhores entrevistas que ja li, pra nao falar das fotos, estao altamente. Parabens Parabens Parabens

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  3. Anónimo4.5.10

    Excelentes músicos, grandes concertos ao vivo...

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  4. Anónimo24.5.10

    O JOÃO É "GRANDE" POR TUDO AQUILO QUE É COMO PESSOA E ARTISTA....TUDO O QUE TEM HOJE..É MAIS QUE MERECIDO.

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  5. Anónimo25.5.10

    ADMIRO MUITO O JPP, COMO MUSICO....MAS MAIS AINDA PELO GRANDE HOMEM QUE SE TEM REVELADO AO LONGO DE TODOS ESTES ANOS! PELA SUA SINCERIDADE E FRONTALIDADE PELO GARNDE CARACTER QUE TEM....MEREÇE MUITO RESPEITO(QUANDO DIZ A BOCA GEITA QUE NÃO VENDE A FAMILIA....MERCE TUDO)
    BEM HAJA

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