TIAGO BETTENCOURT

TIAGO BETTENCOURT & OS MANTHA
NO TSB
PORTO
18 MARÇO  2010


Sentia-se a expectativa, quer nos olhares, quer entre as conversas anteriores ao concerto.

A sala do TSB estava estranhamente vazia… seja da crise, seja da promoção em cima da hora (fica aqui um apontamento: isso tem-se tornado uma constante… certamente um aspecto a rever).

Tiago é acolhido calorosamente como quem diz “somos poucos mas estamos cá pela tua música) e a mensagem passou claramente.


Abriram com temas mais “rock directo”. “Não estava prevista esta abertura, estávamos a contar com vocês todos sentados, e pronto, assim entrou-se mais a rasgar”. E a malta agradece, até porque “O Lobo” é um daqueles temas que ao vivo ainda afectam mais.

Começou depois o desfile de temas bem intimistas como “Fome”, “O Jogo”, “Parece que o destino nos quebrou”, etc…


Na entrevista realizada horas antes, Tiago desejava uma sala cheia e que tudo corresse bem.

Mas quase tudo que podia correr mal aconteceu. Cabo da guitarra que “morre”, falhas no arranque de alguns temas, etc. Mas a malta não desanimava. Estavam ali para vêr e ouvir o Tiago “Em Fuga”, e nada os demovia.

Ultrapassados os problemas, com um Bettencourt menos nervoso, a sua energia conquistou facilmente cada um que lá estava. Entrega-se como poucos e isso passa qualquer barreira que possa existir.

No final da noite, o facto de ser o concerto de arranque desta tournée explicava o que correu menos bem. E, como dizia uma voz ao meu lado: “prefiro um concerto destes, verdadeiro e sem encenações, do que aquelas produções fast-food, com músicos tipo animações 3D…”.



Nem tudo correu bem, é um facto… nem mesmo assim se foi para casa menos do que satisfeito e com o sentimento de que este músico decididamente deixou de ser o ex-Toranja, passando a ser uma entidade muito própria no panorama nacional.

Tiago e o seu “Em Fuga” não desiludem e é uma tournée a seguir com atenção.




A ENTREVISTA

Novo álbum nas prateleiras desde dia 15 deste mês: quais as expectativas em termos de aceitação e interpretação pelo público?

Eu não sou nada daqueles artistas que dizem “faço as músicas para mim e não quero saber das outras pessoas”… Acho porreiro vender discos e ter as pessoas nos meus concertos. E no fundo é isso que eu quero. Não sei muito bem se este álbum é mais fácil ou mais difícil do que o anterior

Sei que quero muito que as pessoas gostem, o oiçam e se identifiquem com ele, e que venham aos concertos. Quero fazer uma tour cheia de gente a divertir-se.

Fala-me do processo de composição do material para o “Em Fuga”.

Foi um bocadinho mais consciente do que no “Jardim”. Tenho essa noção porque na sala de ensaios foi muito mais difícil eu aceitar os arranjos de determinada música.

As músicas no fundo sou eu que apareço com algo á guitarra ou ao piano, e uma música que eu tenho tanto se pode transformar numa balada ou completamente rock e acho que é o mais crucial para o álbum é no fundo esse percurso desde que a música chega á sala de ensaio e no que ela se pode transformar.

Foi muito difícil contentar-me, chegar ao que queria nas músicas. Se calhar por já conhecer o Howard (produtor), eu queria que quando ele chegasse cá a Portugal já tivéssemos algo para ele ver para onde queríamos ir com certas músicas, e nesse sentido os ensaios foram mais meticulosamente pensados. Eu não me estava a contentar com o som normal de banda, precisei que o João saísse um bocado do instrumento e arranjasse sítios novos para tocar da bateria, o Maia saiu várias vezes do baixo e tocou guitarra. O Benny Lackner trouxe também sons completamente diferentes. Depois tive de pensar em coros, em arranjos de sopros… a minha intenção era trazer coisas frescas para este álbum, inspirado um bocado numa onda acústica que está a surgir e trazer de volta inspirações antigas como Neil Young, Cat Stevens e isso tudo…

Por isso tenho a noção que este álbum foi um bocadinho mais pensado e resultou mais sereno que o outro.

O amor, e o universo dentro e em redor dele, é o que te inspira mais?

O amor e a ausência dele. Com isto não estou só a falar da relação entre as pessoas mas também do mundo inteiro e da nossa sociedade, posso também estar a falar de politica.

Acho que sim, acho que me inspira muito o vazios, sabes, não te sei dizer bem o quê mas é quase chamar as pessoas para acreditarem alguma coisa maior…

És uma pessoa optimista?

Eu sou muito optimista mas sou também muito real, não sou daqueles optimistas utópicos, não ignoro a luta e é dessa luta que eu gosto de falar, do desafiar os nossos medos percebes, ir mais longe, mudar de sítio se não estamos bem.

Este álbum fala muito do desapego. Fala de termos opinião sobre as coisas, de termos reacção e depois como é óbvio, da relação entre as pessoas… a relação entre duas pessoas e o que é que isso implica, os jogos, todas as teias, isso é uma coisa que me inspira muito.

Fala-me da tua relação com a música em geral, não apenas com a tua. O que procuras encontrar?

Eu procuro música que me surpreenda, gosto de estar a ouvir uma música e não adivinha o que vai acontecer a seguir ou não saber o que é que o artista quis fazer com aquela música. Tem de ter uma pitadazinha de mistério, de qualquer coisa que eu não saiba desvendar e isso atrai-me para determinada música.

Ou pode ser uma música previsível no sentido em que acaba no sítio exactamente onde estavas á espera ou o refrão vem exactamente no sítio que estavas á espera mas não pode ser de maneira óbvia. O Tom Waits faz isto muito bem: tanto vai por um caminho que não estavas nada á espera como te acaba ali uma música exactamente como esperavas e é isso. No fundo tenho de perceber que existe ali uma grande quantidade de verdade, honestidade naquilo que dado artista está ali a fazer e acho que isso se nota mal se ouve a música, quem é quer vender e quem está na música para transmitir emoções.

Ao ouvir-te falar pensei em Damien Rice…

Eu ouvi muito Damien Rice quando estava a gravar o 2º álbum dos Toranja.

Lembro-me que durante a gravação ouvia Damien Rice enquanto estava a ir para o estúdio, o que resultou num álbum extremamente deprimente e pode ter em parte a ver com ele, mas depois deixei um bocado por ele não saía muito dali…

Passas pelo processo criativo, depois tens um resultado. E procuras ser surpreendido pelos tais resultados. Como é essa relação?

Acho que é mesmo isso sabes. Existem músicas que eu sei exactamente por onde quero que elas vão, o que não quer dizer elas acabem aí, porque pode não resultar ou simplesmente aparecer um sítio melhor para elas e eu não tenho problema nenhum em largar ideias.

A PJ Harvey tem uma coisa muito engraçada escrita num “post it” num dos discos dela que é “When struggling with a song take out the parts you like the most” e é uma coisa que acontece acho que com todos os tipos de arte. Certas ideias que nos podem estagnar e às vezes temos de largar certas coisas para desentupir o processo criativo.

Em relação á Inês, como surgiu a sua participação?

A Inês tem uma voz muito engraçada, já conhecia a voz dela e já a tinha convidado para um projecto que eu fiz chamado “Tiago na Toca” que gravei em casa onde musiquei vários poetas e durante este álbum precisávamos de uns coros para a música chamada “Tens de largar a mão” eu achei que a Inês poderia dar a temperatura suficiente àquele tema. Então liguei-lhe e ela apareceu no estúdio nesse dia e entretanto como tínhamos tempo para fazer mais qualquer coisa, eu mostrei-lhe a música que estou a cantar com ela que nem sequer era para ficar no álbum, e ensaiamos aquilo num quarto de hora, o Howard achou muita piada, levou-nos para a casa de banho com microfone e gravamos mesmo ali… portanto o que se ouve no CD é nós 20 minutos depois de aprendermos a música, ainda com a letra á frente e essa inocência dá uma certa piada ao tema.

O que se pode esperar deste novo álbum, quando comparado com “O Jardim”?

Como te disse, é um álbum mais sereno, misturado de outra forma. O outro era mais um grito, este tem outras texturas, pormenores que pela sonoridade e pelo facto da banda se conhecer melhor se ouvem melhor, mais rico em detalhes, mas acho que têm mesmo de ser as pessoas a dizer…

Em como músico, como descreves este tempo desde os Toranja e o teu 2º álbum a solo? É uma evolução?

Acho que tem sido uma evolução. Tendo tido mais a noção do que quero fazer etc… o que não quer dizer que neste momento saiba o que vai acontecer no próximo álbum, não faço ideia.

Eu seu é que cada vez que gravo um álbum, tenho mais a noção como é que quero que esse álbum fique, e isso aconteceu desde o 1ºalbum dos Toranja, vai havendo uma evolução, mas não quero deixar de apostar no acaso e no erro, a parte humana da música, isso é uma coisa muito importante para mim. Acho que no fundo se resume um bocado na exploração desse caminho, um caminho de imperfeições e tentar encontrar uma harmonia qualquer entre o músico e a música que se toca, entre a informação e a emoção. Foi por isso que se foi buscar o Howard… o ProTools luta um bocado contra isso, como se consegue corrigir tanta coisa e acaba por se ter uma perfeição artificial, e não é isso que eu quero.

Quero exactamente o contrário.

Como é trabalhar com Howard Bilerman?

É divertido. Ele tem o dom de fazer com que a gravação de um álbum seja uma coisa muito divertida, um encontro de amigos. É uma pessoa muito serena, muito humilde e consegue tirar aquilo que há de melhor em nós como pessoas e como músicos. Acho isso muito importante num produtor.

Chegaste a ele como?

Foi o meu manager que me sugeriu. Fomos á net ver várias coisas que ele tinha gravado e percebemos que era um bocado por ali o caminho, e quando chegamos ao estúdio e começamos a gravar apercebemo-nos que era exactamente, que tínhamos acertado na mouche, e por isso continuamos neste 2ºalbum.

Esta década foi em parte dominada por cantores/autores, e isso parece manter-se. Qual a tua opinião?

Acho que qualquer corrente artística desde o começo dos tempos, aparece como reacção á anterior. A seguir aos anos 80, os anos 90, aliás tens no “Wrestler” o Mickey Rourke que está lá com a namorada no bar está a passar som dos anos 80 e o gajo diz “eh pá isto é que era, pena que veio o Kurt Cobain mostrar que estava tudo na m#$&a”. O que me motivou foi mesmo o Kurt Cobain, e acho que depois daquela onda tão emotiva e verdadeira com Pearl Jam, Smashing Pumpkins, Nirvana etc, tinha de acabar nesta outra corrente agora de produção excessiva.

Ligas a MTV e vês outra vez tudo maquilhado, bandas altamente fabricadas e produzidas, o próprio punk tem muita coisa á volta e a cena não é despida, e mais tarde ou mais cedo aparece uma força contra essa corrente, é o tal ciclo.

Que músicos ou bandas nacionais segues com mais atenção?

Ouço muito Fado, gosto muito de Camané. Tenho a noção existem bandas muito boas como os 2008, o Samuel Úria, o Slimmy… e várias pessoas a fazerem coisas muito boas mas o que me comove mesmo continua a ser o Fado.

E projectos paralelos?

Eu gravei uma cena chamada “Tiago na toca”, e isso foi quando não estava a fazer nada, agora estou é preocupado com esta tournée e com o seu princípio.

O que esperas de hoje á noite?

Espero que venha muita gente!

A Imagem do Som deseja-te todo o sucesso, para o álbum tal na tournée e vamo-nos encontrando por aí!


REPORTAGEM E ENTREVISTA : RICARDO COSTA
FOTOGRAFIAS : RICARDO COSTA E JOSÉ LOPES

Sem comentários:

Enviar um comentário