LUIS REPRESAS


LUIS REPRESAS
AO VIVO EM COIMBRA

Coimbra, Teatro Académico de Gil Vicente
26 de Fevereiro de 2009


Quase dez da noite num Gil Vicente praticamente cheio. A luz já escassa da sala deu lentamente lugar uma escuridão total.


Abriu-se a cortina e soltou-se o primeiro aplauso da noite, ao som dos primeiros acordes de "Fora de tempo". No centro do Palco estava um Luís Represas sentado e vestido de preto, elegante e único. Igual a ele mesmo. Como ontem, como sempre.


Assim começava a conquista de um público que, ainda não o sabendo, ia na hora e meia seguinte assistir a uma actuação de altíssimo nível. "Por mão própria", a seguir, abriu a porta do mais recente album de originais do cantor.

“Boa noite! Eu falo já convosco...”, prometia Luís Represas.

Entrámos na "Hora do Lobo", antes de o artista se dirigir novamente ao público coimbrense, a quem revelou o quanto se sente em casa, no Gil Vicente. Introduziu a “Prece” e continuou a cantar e encantar.



Um "Zorro" belíssimo abriu caminho à apresentação dos músicos que constituem a actual banda de Luís Represas: Luís Fernando nas guitarras (o menos novo de todos, que acompanha Luís Represas há já alguns anos), Marcos Alves nas percussões e na bateria, Cícero Lee no baixo e Carlos Garcia nos teclados.


Vieram depois “E foi Dezembro”, soberbamente recolorido e interpretado, e uma "Feiticeira", que teve direito (como na versão original) a interpretação em português e em castelhano. O público estava ao rubro, e não era caso para menos.
A uma lindíssima e sentida interpretação de "Vôo da garça" seguiu-se o desejado "Colibri (pureza e desejo)", com Cícero Lee a dar a Marcos Alves uma mãozinha nas percussões - sempre bonito de ver.

A elevada maturidade musical deste novo conjunto de músicos que acompanha Luís Represas tornara-se evidente. Nenhum deles falha uma nota, nenhum deles falha um tempo. E nem por isso deixou de haver emoção em cada trecho musical produzido. Que o diga Luís Represas de Carlos Garcia, quando este o guiou, bem como ao afinadíssimo coro que foi o público do Gil Vicente, ao longo de um "Perdidamente" que teve tanto de belo como de arrepiante.

“Bravo, Público!”, disse ele aplaudindo, para acrescentar de seguida que “Vocês não imaginam o espectáculo que é ouvir-vos a cantar isto, sala após sala, noite após noite.”

Foi a vez de "Desencontro", aqui sem Simone, e de "Da próxima vez", com o público a servir, novamente, de coro.

Luís Represas apresentou-se acompanhado por uma fortíssima constipação que, à semelhança da IMAGEM DO SOM, também não quis perder o espectáculo no Gil Vicente. A qualidade das interpretações não se ressentiu minimamente e Luís Represas mostrou porque é que goza do estatuto que goza no actual panorama musical português. Profissionalismo a rodos; nada o pára.



Veio a “Mariana” e levou-nos até “Sagres”. Sempre em boa companhia.

Marcos Alves é um metrónomo virtuoso e provou-o com o solo de bateria que antecedeu os agradecimentos de Luís Represas a toda a equipa técnica. O instrumento lá aguentou como pode... É impressionante como se consegue tocar tão bem! E, sem se ter apercebido, o público estava já a ouvir e a cantar “Foi como foi” que, como tudo o que é bom, passou a correr.


Cícero Lee arrasou com no solo de baixo com que introduziu “Entre mim e eu”. E foi ao som dos acordes desta música que Luís Represas se despediu e deixou o palco, com toda a sala em pé a aplaudir efusivamente.
O público queria mais e pediu mais. E a banda regressou para mais.

Reabriu o espectáculo com “Chave dos Sonhos” e voltou a fechá-lo com um “125 Azul” pujante, onde Luís Fernando fez, no final, soar a sua tão característica distorção, mostrando assim que tudo encaixa num universo musical tão diverso, tão completo e tão único com é o de Luís Represas. Que, desta vez, deixou o palco e já não voltou.


Foi tudo muito bonito e, também como tudo o que é bom, soube a pouco. Como ontem, como sempre.





A ENTREVISTA
UM EXCLUSIVO      IMAGEM DO SOM


Escassos minutos depois do fim do concerto no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, Luís Represas recebeu a Imagem do Som no seu camarim.
Uma pequena e franca conversa sobre o presente, o passado e o futuro.



Imagem do Som [IdS] – O concerto foi muito bom e o espectáculo está muito bonito, na nossa opinião. Sabemos que daqui para a frente será em crescendo e que passará posteriormente para uma fase de concertos ao ar livre. Quais são as tuas expectativas e até quando é que isto vai?

Luís Represas [LR] – Bom, para já é uma satisfação estar a tocar com estes músicos novos, o que faz com que se mude muito a cara às músicas e para mim a essência da música é essa: a música é uma coisa viva, uma coisa que está sempre em mutação. Não perdendo o norte, não perdendo as raízes, não perdendo as referências, mas está sempre em mutação. É o que sinto estando de repente a tocar com outros músicos, mais novos, e não perdendo essa tal referência, como o Luís Fernando, que é um músico que toca comigo há mais tempo. Isto dá-me uma enorme sensação de refrescamento. Começámos por teatros / por auditórios, espaços que nos obrigam a um exercício de, por um lado, maior concentração, por outro lado, de maior liberdade: estamos muito mais atentos ao que cada um está a fazer, e portanto entramos muito mais naquilo que é propriamente a essência da música. Isto muitas vezes não acontece, entre aspas, quando se tem a necessidade de por dez mil, ou quinze mil, ou vinte mil pessoas aos saltos, o que é muito bom também, obviamente, mas são outras situações. Mas eu acho que é bom começar por aqui porque daqui também pode partir o resto, não é? Mas isto não quer dizer que aquilo que se passou hoje aqui no Teatro Académico de Gil Vicente não funcione igualmente bem ao ar livre e com grandes multidões. Tenho assistido a concertos que se revelaram experiências bem sucedidas e portanto estou perfeitamente tranquilo nesse aspecto. Acho que há muita margem para se jogar musicalmente porque estes músicos têm potencialidades fantásticas.


IdS – Obviamente que sim e isso viu-se e ouviu-se. Isto agora vai continuar em crescendo mas uma coisa da qual nós não nos conseguimos alhear é o facto de, no próximo ano, tu celebrares 35 anos de carreira...

LR – Pois, parece que sim (risos)....

IdS – De que forma é que vai conciliar-se este espectáculo, que nos parece estar para durar, com esta celebração? Prevê-se alguma coisa para estes 35 anos de carreira? O lançamento de um livro ou de um DVD, por exemplo...?

LR – Não faço a mínima ideia. Estou completamente a zero. Agora vai sair o DVD e o CD do concerto do ano passado, no Campo Pequeno, com a Simone e o João Pedro Pais. A partir daqui há coisas que eu estou obviamente a ganhar em termos de espaço musical com estes músicos e nós acabamos sempre por ser influenciados pelos músicos com quem tocamos, não é? E há muita coisa que vai acontecer... Vou fazer um espectáculo com o Martinho da Vila, no “Rock In Rio”, que vai ser uma coisa especial, sobre a qual nós falámos ainda ontem ao telefone, e as reacções, minha e dele, foram “que bom, que bom, que bom!”, mas o que é que vamos fazer ao certo... não sabemos e logo se verá. Ainda estamos nessa fase. Eu não estou hoje, se calhar amanhã já estarei, mas não estou hoje com grande focalização sobre uma grande celebração dos 35 anos...

IdS – Certo. A pergunta é imperativa porque é um número “redondo”, que normalmente se dá a esse tipo de coisas...

LR – Eu sei, eu sei... E pode acontecer que sim, mas também pode ser que não. Não sei, não faço a mínima... O que eu sei, e partilho-o aqui convosco, é que começa a apetecer-me trabalhar temas novos, começar a compor coisas novas, e isso pode acontecer... Muito provavelmente sairá um disco novo de originais para o ano que vem... Agora a música é uma das coisas mais fantásticas que existe, porque nos surpreende sempre; pode surpreender-nos à saída deste camarim... Eu não sei o que vou encontrar ali fora.

IdS – Já que se falou no processo de criação... Nós lembramo-nos de há uns anos teres dito que não eras muito do estilo de te sentares a uma secretária, onde tinhas uma cebola, e começares a compor uma canção em torno da cebola só porque te apetecia. Ou seja, o que saía, saía fluidamente. Hoje continua a ser assim?

LR - Continua a ser assim. Uma das coisas que gosto de fazer é estar a limpar o estúdio - é um exercício que me distrai imenso - e de repente... saem-me coisas. Por exemplo, o “Colibri” nasceu no meio de uma limpeza dessas. Há que haver uma predisposição interior, não é? É muito... como é que eu hei-de dizer... não programado. Muitas vezes acontece-me, também, aparecer-me de repente uma ideia na cabeça, e dizer “não, eu não vou agora estar preocupado em registar esta ideia porque não tenho como, e portanto não vou angustiar-me com isto”. Nessas alturas deixo que isso fique cá dentro, e sairá depois de uma forma qualquer.

IdS – Já que falas em angústia, o registo em estúdio ainda te angustia ou já te habituaste?

LR – Nãaao, não... continua a angustiar-me. Acho que para mim é um dos exercícios mais dolorosos que existe. O registo em estúdio... aliás, vê-se pelo espectáculo de hoje. Quem conhece as músicas gravadas e as viu ao vivo, hoje, diz forçosamente: “Epá, isto é outra coisa!”. E no concerto seguinte provavelmente será outra coisa.

IdS – Se tivermos em conta aquilo que foi a celebração dos 15 anos do Trovante assusta-nos um bocadinho pensar que já passou mais tempo de Luís Represas a solo, do que de Trovante. Tens esta visão também, ou não pensas nisso?

LR –Assusta em que termos?

IdS - Passou a uma velocidade alucinante.

LR – Foi meteórico, foi... Tenho muitas vezes essa noção clara de que o prato da balança já está a pesar mais para o meu lado do que pesou para o lado do Trovante. Quando penso nisso, penso que se este tempo passou de uma forma tão rápida foi porque não houve nenhuma clivagem, nenhum amargo de boca, nenhum azedume em relação ao passado. Ou seja: a minha fase a solo foi uma continuidade daquilo que aconteceu com o Trovante. Não será, como diria Marcelo Caetano, uma evolução na continuidade, mas muito mais um aproveitar da escola que foi o Trovante e das raízes daquilo que eu gosto de fazer na música. A minha maneira de estar na música é esta, por isso é que, apesar das grandes provocações que existiram na altura, nunca fiz nenhum disco a solo quando estava com o Trovante. Simplesmente porque não valia a pena, não ia fazer na porta ao lado, aquilo que estava a fazer em casa. Por isso continuou... Continuou com parceiros novos, com referências novas, com vivências novas, e por isso é que isto passou de uma forma tão rápida, e continua a passar de uma forma tão rápida... e boa.

IdS – E boa, certamente. Uma vez o Sérgio Godinho, quando perguntado acerca de qual era o trabalho dele que mais gostava, respondeu: “O último!”. Se te fizermos essa pergunta, vais dizer-nos que é o “Olhos nos olhos”ou...

LR - Para mim o último trabalho é aquele que reflecte mais a fase musical em que eu estou. Indiscutivelmente. Agora se falarmos em gostos... há temas e situações em discos anteriores dos quais eu gosto francamente, que tenho imensa pena que não sejam um “prato congelado”, que agora vamos buscar ao frigorífico para por no microondas e fazê-lo outra vez. Às vezes apetecer-me-ia fazê-lo outra vez, mas isto não acontece assim... Mas acontece no palco! E por isso é que o palco é o que me alicia mais, porque vou buscar esses temas que eu gosto muito, e que faria hoje outra vez, e que gosto de reviver hoje em dia, e que são para mim tão queridos como se tivessem sido feitos hoje. Por isso é que em termos de gostos eu não posso dizer que o álbum do qual gosto mais é o último.

IdS – Referiste-te a temas, mais do que a álbuns...

LR – É... O álbum para mim é aquilo que reflecte o estado em que o músico está, o estado em que compositor está, o estado em que o artista está... é esse reflexo. Por isso é que muitas vezes os “best of” são muito perversos nestas coisas. E também por isso é que eu não tenho músicas nas gavetas. Quando ponho um disco cá fora, é o disco que eu quero, o disco que eu gosto. Não há músicas que eu faça e diga “não, esta não vai entrar neste disco, poderá entrar noutro...”. Se foi feita é porque eu gostei.

IdS – O Luís Represas quando ouve música ouve o Luís Represas? Ainda pões na aparelhagem e ouves o “84” ou o “Cumplicidades”, por exemplo?

LR – Sim, sim, sim.... Se o ponto de partida é um exercício de trabalho, vou lá ver que músicas é que vou buscar agora para incluir nos espectáculos novos... Por vezes vou buscar músicas antigas e de repente tropeço em canções que eu digo “Uau! Mas porque é que isto está fechado há tanto tempo? Porque é que isto não vem cá para fora há tanto tempo? Como é que eu posso pegar nisto?”. E depois questiono-me como é que eu posso por em cima do palco uma canção que...

IdS – ... uma canção que tem um arranjo mais complexo...

LR – ... não, a questão nem é essa. A questão é: como é que vou por em cima do palco uma canção que não tem história, uma canção que a grande maioria das pessoas não conhece... De repente vão achar que é uma música do novo disco. Percebes o que eu disse há bocado? Eu vou buscar agora, por exemplo, uma canção de 98, da “Hora do lobo”, trago-a aqui e as pessoas são capazes de dizer... “Epá! Uma canção do disco novo!” Percebes? Ou seja, podemos pegar nas canções e provocar-lhes a actualidade que a gente quiser. E sim, eu ouço muito como exercício, e com esse propósito, e muitas vezes vou buscar coisas que eu fiz, não para discos mas para outros fins... Ainda no outro dia estive a ouvir uma coisa que não ouvia há que tempos, que foi a música de uma série de televisão chamada “A raia dos medos”, na qual participei, e disse: “Epá, pois é... porque é que isto não está num disco?”

IdS – Para terminar: há algum plano para um songbook?

LR – Há. Estou é sempre à espera de quando... e de quem é que o vai fazer.. e de como é que se vai fazer... Eu acho que o songbook, como existe ou como existia, pode ser feito de outra forma... nós vemos isso na net... Eu gostava de fazer um songbook que estivesse acompanhado com o lado visual, ou seja, não fosse a tablatura, pura e dura no papel, mas que tivesse um lado de vídeo, por exemplo, no qual eu pudesse explicar às pessoas como é que se toca... Percebes, que houvesse mais qualquer coisa... Enfim, isto está tudo na ideia e acho que ainda há muita coisa para fazer.

IdS – Essa era gira, por que há muitas músicas tuas que queremos tocar e não conseguimos...
LR – Exactamente, exactamente. E eu também (gargalhadas) ...

IdS – Ok, Luís; obrigadíssimo! Foi um prazer e felicidades.

LR – Eu é que agradeço.


Reportagem:

TEXTO : Sara Salgado
TEXTO E FOTOGRAFIAS: Rui Vaz



Agradecimentos:

Pelas facilidades concedidas, a IMAGEM DO SOM agradece




 

2 comentários:

  1. Anónimo1.3.10

    Belíssimo texto. Excelente entrevista... acompanhadas de grandes fotografias para relembrar o(s) momento(s). POTENTE!

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  2. Cila Costa2.3.10

    Sem dúvidas algumas, o Luís Represas, é um cantor de arrastar multidões. Enfim...O melhor cantor Português, que consegue levar sua legião de Clube de Fãs, do Norte ao Sul do País. Ele sabe disso.
    Muita sorte, saúde e felicidades Luís. Bem haja pela tua maneira de ser.
    Bjinhos,
    Cila

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